quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

163 - VIVA A GIRAFA

Certa ocasião, Silvio, o supervisor de silvicultura, participou de um curso de capacitação profissional. A coordenadora do evento pediu que cada participante se apresentasse aos demais membros do grupo falando o nome de um animal com o qual se identificasse.
Até aí, tudo bem, mas havia um detalhe: ninguém poderia repetir o nome de um animal. Como eram aproximadamente quarenta participantes, teriam de falar quarenta nomes diferentes de animais.
A coordenadora criou na hora uma sequência para as apresentações e Silvio, por um defeito de sorte, ficou por último. Preocupado, imediatamente criou na mente uma lista de uns dez animais. E como se fosse pura telepatia, alguém sempre se antecipava e sua lista se reduzia de nome em nome. Foi assim em várias rodadas, até que chegou sua vez. Então, o único animal não citado pelos demais, e que lhe veio à mente, foi... girafa.
A coordenadora prosseguiu com sua dinâmica:
― Muito bem. Agora que todos já se manifestaram, quero que cada um de vocês fale pelo menos uma característica do animal escolhido, que coincida com suas atividades.
O primeiro participante foi claro e objetivo:
― Eu falei macaco. O macaco é um animal alegre e brincalhão e eu tento sempre deixar meu ambiente de trabalho mais divertido e animado.
O segundo continuou pelo mesmo caminho:
― Eu falei coruja, que é uma ave muito atenta e observadora. Assim como ela, no meu dia a dia procuro prestar bastante atenção em todos da minha equipe e me preocupo em ouvir as pessoas.
Chegou a vez do terceiro:
― Meu animal escolhido foi a águia, pois ela está sempre no alto, tem uma visão do todo, é ágil e sabe o caminho a seguir.
E assim cada qual foi falando as características do seu animal e justificando sua escolha.
Enquanto isso, Silvio, com o nervosismo em andamento, pensava:
― O que vou falar da girafa?
E a agonia prosseguiu, até que finalmente chegou seu fatídico momento. Ainda sem saber muito bem o que dizer, mas pensando na descrição das crenças da empresa, finalizou com alguma solenidade:
― Bom, eu pensei na girafa, pois ela é uma líder nata, tem espírito de equipe, sabe cultivar os talentos, é super pragmática, tem diálogo aberto, faz alianças com os clientes e fornecedores. Enfim, viva a girafa!

162 - ESTRANHA CRIATURA

Certo sábado, bem no finalzinho da tarde, Breno se preparava para encerrar seu plantão de incêndio e voltar para casa, quando uma equipe da brigada fez um contato por rádio de comunicação:
― Boa tarde, Breno, você ainda está de plantão?
― Sim, algum problema?
― É que acaba de ser observada uma fumaça e parece estar dentro da Fazenda Esperança. Você é o plantonista mais próximo do local. Você poderia, por gentileza, verificar se é realmente um incêndio e se está dentro da fazenda?
― Claro, já estou indo.
Breno se deslocou até a fazenda e rapidamente localizou o incêndio. Como ainda estava bem no início, o rapaz chamou a equipe da brigada pelo rádio e informou que conseguiria controlar o fogo sozinho.
Saiu da picape, apanhou o abafador, que é um instrumento utilizado para apagar as chamas, e caminhou em direção ao incêndio. Já estava escurecendo e havia muita fumaça no local.
Mesmo com a visibilidade prejudicada, Breno conseguiu enxergar um vulto esquisito caminhando em sua direção. Era uma criatura muito estranha, que parou a certa distância e ficou encarando o rapaz.
A fumaça impedia uma visão mais nítida. O que ele percebia, no entanto, era bastante assustador, pois configurava algo parecido com um monstro de chifres enormes e olhos muito vermelhos.
É claro que Breno ficou totalmente paralisado. Seu coração disparou e um forte arrepio percorreu seu corpo. Essa reação, comum em situações que exigem uma boa dose de coragem, é o que podemos chamar de "CAGAÇO". Em todo caso, vamos dar um desconto ao Breno, pois temores fortes assim costumam invadir qualquer pessoa que tenha de enfrentar uma ocorrência semelhante.
Por via das dúvidas, assim que conseguiu dominar melhor suas emoções e concluiu que poderia se mexer, Breno correu de volta ao carro, agarrou o rádio e chamou novamente a equipe:
― Pessoal, vou precisar de ajuda. Começou a soprar um vento muito forte e o fogo aumentou demais. Não vou conseguir controlar sozinho. Vocês podem vir me ajudar?
Como a resposta foi afirmativa, o rapaz entrou no carro, trancou as portas e ficou vigiando a criatura através do vidro, enquanto seus companheiros não apareciam.
Por sorte a equipe chegou rapidamente, agiu com precisão e o incêndio logo foi controlado. Mesmo assim, Breno caminhava com receio, olhando para os lados e procurando a criatura, que poderia aparecer a qualquer momento.
Ainda estava tentando imaginar o que teria visto de tão assustador, quando um dos brigadistas gritou:
― Pessoal, vejam só o que eu encontrei aqui. Tem um bode amarrado numa árvore. E ele está vivo. Creio que alguém fez um despacho aqui e o bode fazia parte do ritual. Deve ter sido isso que iniciou o incêndio.
Os outros se aproximaram, todo mundo ajudou, e o animal, ao ver que estava solto, fugiu o mais depressa que pôde.
Na hora da despedida, meio sem graça por dentro, mas muito agradecido, Breno se aproximou do brigadista que viu o bode:
­― Ainda bem que foi você quem encontrou o animal. Acho que se fosse comigo, eu ficaria um "pouquinho" assustado.

161 - ÁRVORES SECULARES

Na estrada que dava acesso ao viveiro de produção de mudas havia cerca de dez enormes figueiras plantadas lado a lado, formando uma espécie de túnel vivo.
O grande porte das árvores e o formato de suas copas chamavam a atenção da maioria das pessoas que passavam pelo local, pois formavam um cenário realmente bonito e interessante.
Certa vez, um gerente recém-contratado acompanhava um grupo de visitantes ao viveiro de mudas, e não demorou muito para alguém do grupo perguntar:
― Mas que árvores lindas. Qual o nome delas?
E o gerente, todo empolgado, respondeu:
― São figueiras. Temos muito orgulho delas. São árvores seculares...
Ouvindo aquilo, outro visitante quis saber:
― E quantos anos elas têm?
O gerente pensou um pouco, mas precisava responder rapidamente. Então arriscou:
― Ah, elas têm entre 50 e 60 anos, não mais que isso.

160 - O IMITADOR

Mathias estava ligado à área de segurança do trabalho da empresa florestal. Embora fosse um bom funcionário, bastante dedicado e eficiente, muitos diziam que ele estava na profissão errada. Deveria estar nos palcos.
É que o rapaz tinha um grande talento. Sabia imitar pessoas. Bastava ficar alguns minutos perto de alguém e já conseguia captar o tom da voz, o modo de andar, os gestos e todos os trejeitos. Realmente era impressionante.
A pessoa que Mathias mais gostava de imitar era o gerente geral da empresa. E por duas razões. Primeiro, porque o homem tinha uma forte personalidade e falava muito alto. Segundo, porque todo mundo aplaudia de pé.
Numa segunda-feira bem cedo, dessas que ainda estão agarradas à preguiça do domingo e deixam as pessoas com o humor meio atrapalhado, Mathias entrou na sala dos supervisores de silvicultura como se fosse o gerente geral, com a intenção de alegrar a galera.
― Bom dia, Felipe. O senhor começou a trabalhar hoje às 7h da manhã, correto? Pois já são 7h05 e o senhor ainda está no escritório lendo os e-mails e fazendo relatórios. Por que ainda não foi ao campo? Devo dizer que o senhor precisa ser mais ágil nas suas atividades administrativas...
Como sempre acontecia, todos riram muito da brincadeira. Com essa motivação, Mathias aproximou-se de outra mesa e continuou:
― Bom-dia, Jorge. Deixa ver se entendi direito... O senhor está com o cronograma atrasado, com o orçamento estourado, precisa de mais dinheiro para os investimentos e ainda consegue sorrir? Assim não dá...
Novamente todos caíram na gargalhada. Porém, Mathias percebeu que os risos foram muito mais fortes, até com certo exagero. Desconfiado, olhou para trás e compreendeu o motivo de tanta euforia. O gerente geral estava parado na porta da sala assistindo a tudo.
Mathias não perdeu a pose. Sem qualquer constrangimento, aproximou-se do gerente, colocou a mão no seu ombro e finalizou:
― Nem precisa perder seu tempo aqui, com estes supervisores. Já dei um belo sermão em todos eles. Vamos agora dar um corretivo nos rapazes da colheita...

159 - DIA DE FÚRIA

Felipe, supervisor da área de silvicultura, estava no campo com duas estagiárias e explicava a elas as atividades de implantação e reforma de eucalipto. O dia caminhava especialmente abafado e quente, o que sugeria, na imaginação, água fresca, quem sabe um suco bem gelado, ou frutas suculentas. Mas ninguém falou nada.
No final da tarde, retornando ao escritório com as estagiárias, trafegando pela estradinha de terra que conseguia jogar poeira até dentro do carro, Felipe ouviu uma das moças gritar:
― Seu Felipe, acabamos de passar por um pé de laranja todo amarelo, de tão carregado. Será que o senhor pode voltar e apanhar algumas frutas pra nós?
Felipe, mesmo muito cansado e sem ver a hora de chegar, decidiu atender ao pedido da moça. Fez a manobra, retornou com o veículo, localizou a laranjeira, parou, desceu e pegou um facão no porta-malas, para retirar alguns galhos secos que impediam o acesso às laranjas.
Assim que se aproximou da árvore, Felipe não pensou duas vezes e deu um forte golpe de facão num dos galhos secos. Acontece que o ramo atingido foi mais resistente do que o esperado. Além de não sofrer nenhum dano, ainda provocou um rebote, por conta da força do impacto. Resultado: atingiu a testa de Felipe.
O rapaz ficou meio atordoado e levou a mão ao local da pancada. Percebeu que estava com um belo corte logo acima do supercílio. O sangue começou a escorrer pelo seu rosto e ficou pingando na camisa.
Aquilo parece que despertou certa raiva no rapaz. Com um pouco mais de violência, deu o segundo golpe, agora em outro galho, e novamente houve o rebote, que dessa vez atingiu seu queixo.
Felipe não aguentou. Olhou fixamente para a laranjeira e soltou um berro ameaçador:
― Se é guerra que você quer, então vai ter guerra.
Enfurecido, Felipe partiu decidido pra cima do pobre pé de laranja. O que se ouviu foram alguns palavrões. E o ruído assustador de muitos golpes de facão pra todo lado.
Completamente aterrorizadas, e sem saber o que fazer, as estagiárias, dentro do carro, gritavam sem parar:
― Pode deixar seu Felipe, a gente não quer mais as laranjas. Vamos embora. Parece que o senhor está um pouco estressado...
Foram em vão os apelos para que Felipe desse uma trégua ao pobre vegetal. Agora, era uma questão de honra. Ele havia sido desafiado e agredido na frente de duas mulheres. Isso não se faz com um homem. E por um pé de laranja...
O que se sabe dessa história é que após mais ou menos vinte minutos de uma luta incrível, Felipe saiu-se vencedor. O pobre pé de laranja ficou completamente desnudo.
Quase refeito da ira destruidora, ele então recolheu as frutas e entregou às moças. No instante seguinte, uma delas deixou escapar uma reclamação:
― Ah, que pena, seu Felipe, deu tanto trabalho, e elas estão tão azedas...
Dizem que ao ver a expressão contraída que se formou na cara de Felipe, onde se destacavam os olhos, que praticamente cuspiam fogo, as estagiárias comeram todas as laranjas com casca e tudo. E com um sorriso no rosto.

158 - DOIS CONSELHOS

José era o responsável pela área de fomento florestal, um trabalho intenso e cansativo, pois nos últimos anos as áreas fomentadas haviam passado por um crescimento considerável, o que exigia constantes deslocamentos e contatos frequentes com os fazendeiros locais.
Tendo em vista essa circunstância justa e necessária, José solicitou a contratação de um engenheiro trainee, cuja função principal seria ajudá-lo nas visitas e na assistência técnica às propriedades rurais.
Não demorou muito e sua solicitação foi atendida. Assim, foi contratado o Maurício, um engenheiro florestal recém-formado, cheio de ideias e entusiasmo, pronto para colocar em prática o que havia aprendido na faculdade.
Logo na primeira semana de trabalho do novo contratado, José programou visitas a várias propriedades rurais. Era a forma mais adequada e prática de colocá-lo em contato com os serviços a serem executados, ao mesmo tempo em que o apresentava aos fomentados da região.
Como estava sinceramente interessado em aprender a nova rotina, e também para demonstrar interesse em sua nova função, durante o deslocamento em direção a uma das propriedades, Maurício perguntou a José:
― Estou começando agora minhas atividades profissionais e percebo que o senhor é um profissional experiente. Imagino que por essa razão seja muito respeitado e admirado pelos fomentados. O senhor teria algum conselho para que eu tenha o mesmo sucesso nas minhas atividades?
José ficou todo orgulhoso com aquele comentário. Nada mais natural, pois no seu cotidiano, convivendo sempre com as mesmas pessoas, raramente surgia a oportunidade de ouvir um elogio assim. Por essa razão perfeitamente compreensível, ele não se conteve. Estufou o peito e respondeu:
― Tenho sim. Na verdade, tenho dois conselhos para você. O primeiro consiste em estar muito próximo ao homem do campo. Especialmente no nosso caso, precisamos realizar visitas frequentes às propriedades rurais. Isso é fundamental. Veja o meu exemplo. A cada quinze ou vinte dias, no máximo, eu visito todos os fomentados. Assim, tiro as dúvidas que eles possam apresentar e dou as explicações necessárias ao bom andamento do trabalho. É muito importante estar sempre presente e manter o olho-no-olho.
Nesse instante, quando José se preparava para continuar o discurso, surgiu outro veículo, trafegando em sentido contrário. O motorista começou a buzinar, a piscar os faróis, e ainda colocou a mão para fora, acenando, ou seja, queria mesmo chamar a atenção. Diante dessa insistência, José parou o carro, baixou o vidro e verificou que era um dos fomentados. Mais do que depressa, o homem desceu do carro e foi logo comentando:
― Eu não acredito. É você, José? Mas quem é vivo sempre aparece. Eu comentei outro dia, lá na fazenda, que achava que você tivesse morrido. Afinal, faz bem uns dez meses que você não vai lá. Precisamos conversar. Dê um jeito de aparecer, não some, não.
Dizendo isso, o fomentado seguiu em frente. José ficou calado alguns minutos, sem ter o que falar, mas pensando numa saída, até que Maurício decidiu romper o silêncio constrangedor, fazendo uma piadinha:
― Gostei muito do seu conselho, José. Vou tentar seguir à risca o seu ensinamento. E da mesma maneira que você faz.
Ouvindo aquilo, José resolveu finalizar de vez a conversa:
― Maurício, e aqui vai o meu segundo conselho. Saiba sempre o momento de ficar com a boca fechada.

157 - DESCONTROLE REMOTO

Após longa e cansativa viagem de carro até Arapongas ― PR, Barba finalmente chegou à pousada onde ficaria hospedado. Durante todo o trajeto, não pensou em outra coisa. Tudo que ele queria naquele momento era relaxar corpo e alma, pois além de tudo precisava estar inteiro no dia seguinte. Por isso, não via a hora de tomar um banho e cair na cama para descansar.
Enquanto preenchia a ficha com informações pessoais, a recepcionista foi colocando sobre o balcão os materiais que Barba deveria levar para o quarto, e que incluía sabonete, papel higiênico, toalhas de rosto, de banho, essas coisas. Ele tentou se livrar o mais rápido possível dos inevitáveis trâmites, que sempre aborrecem qualquer viajante. Em seguida, pegou a chave, todos os itens separados pela gentil senhorita e se mandou para o quarto.
Minutos mais tarde, após um delicioso e refrescante banho, finalmente deitou-se na cama, de frente para a televisão, para assistir ao seu telejornal preferido. Ajeitou o travesseiro na guarda da cama, acomodou bem a cabeça, pegou o controle remoto e clicou, mirando a TV.
Porém, por mais que insistisse, Barba não conseguia ligar o aparelho. Tentou de todos os ângulos. Sem chance. Deu alguns tapas no controle remoto. Nada. Apertou praticamente todos os botões. Nem sinal. Contrariado, levantou-se da cama e conferiu se a televisão estava ligada na tomada. Estava.
Sem outra alternativa, e já bastante irritado com aquela situação ridícula, ligou para a recepção. Assim que a mocinha atendeu, foi logo reclamando num tom de voz bastante áspero:
― Não é possível! Cheguei aqui muito cansado, estou tentando relaxar um pouco, quero ligar a TV, mas o controle remoto não funciona. Já apertei praticamente todas as teclas. Do “on”, do “off”, do volume com o sinal “+”, a outra com sinal “–“, e não acontece nada. O controle deve estar com defeito ou as pilhas estão fracas. Você pode verificar isso pra mim?
A recepcionista deixou que ele soltasse todos os cachorros e depois, com a maior calma do mundo, explicou:
― O senhor deve estar mesmo muito cansado, pois nem percebeu que essa TV não tem controle remoto.
― Como assim? Você deixou o controle pra mim em cima do balcão, junto com as outras coisas.
Foi aí que ela deu uma risadinha.
― Não, o senhor se enganou. Na pressa de subir para o quarto, acabou pegando a minha calculadora. Será que o senhor pode, por gentileza, trazê-la de volta aqui na recepção?

156 - A ARTE DE SONHAR

Muita gente acha que os sonhos movimentam forças ocultas e são instrumentos de uma inteligência invisível. Há quem defenda que eles encerram poderes premonitórios, isto é, são verdadeiros presságios de um futuro próximo. Assim, quem sonha pode ter acesso a revelações íntimas e misteriosas.
Duzão nunca escondeu de ninguém que acredita piamente na realidade dos sonhos. Portanto, quando chegou certa manhã ao escritório e reuniu os amigos para contar o curioso sonho que tivera naquela noite, todos resolveram ouvi-lo com atenção.
― Pessoal, foi um sonho muito realista, que me deixou bastante assustado. Eu estava vindo para cá, como faço todos os dias. Acontece que, pouco antes de chegar, não sei por que cargas d’água, meu carro quebrou. Estacionei do jeito que deu e continuei a pé, com a intenção de pedir ajuda à equipe da pesquisa. No sonho, havia uma pequena mata que eu teria de atravessar, para chegar ao prédio do Centro de Pesquisa. Foi aí que eu tive a maior surpresa da minha vida. Debaixo de uma árvore muito bonita, havia um casal se beijando. Fiquei sem graça de passar por ali, mas não havia outro jeito, era o único caminho. Então, me aproximei tentando fazer algum barulho, para chamar a atenção dos pombinhos. E foi assim que, ao chegar mais perto, pude perceber que o Doni beijava uma loirinha. Posso garantir a vocês que não era um beijo qualquer. Era um superbeijo, cheio de virar a cabeça pra cá, virar a cabeça pra lá. E as mãos do Doni, às vezes acariciavam os cabelos escorridos da loirinha, às vezes desciam pelas suas costas, indo até a cintura. Interessante é que o casal não notou minha aproximação. Porém, quando cheguei mais perto, consegui ver que a tal loirinha era, na verdade, o Miguel. Aí eu não aguentei e caí na gargalhada. Eles se assustaram e pararam o beijo. Sem nenhum constrangimento, disseram que estavam apaixonados, que resolveram se encontrar ali, escondidinhos, e me pediram para guardar segredo absoluto, pois suas mulheres e suas famílias ainda não sabiam do caso. Juraram de pés juntos que pediriam separação, pois queriam morar na mesma casa, em regime de união estável. E o mais poético é que falaram tudo isso de bracinhos dados e olhares lânguidos. Até que eles formavam um casal bonitinho... Então, para encerrar, Doni apertou o queixo de Miguel entre os dedos da mão direita e lhe disse piscando um olho: “Mas, por favor, não faça de sua ferramenta uma arma”.
Todos riram muito do sonho. Teve gente que assoviou, aplaudiu, foi a maior gritaria. Só Doni e Miguel não gostaram da brincadeira.
Como não poderia deixar de ser, em defesa própria Miguel soltou seu tradicional jargão, assim que a barulheira se acalmou:
― Oh, meu amigo... Presta atenção! Quem tem tempo vai mais longe. No sonho, nós pedimos pra você não contar a ninguém. Segredo absoluto. E você mal chegou aqui, entregou a gente pra todo mundo...
Ouvindo aquilo, Duzão, com a cara mais cínica que conseguiu fazer, concluiu:
― Vocês me pediram isso no sonho. E no sonho eu não contei pra ninguém. Mas aqui na vida real é outra história. Será que meu sonho foi uma premonição?