quinta-feira, 3 de novembro de 2011

136 - O SEQUESTRO

Breno e sua esposa levavam uma vida regrada, tranquila, como acontece com a maioria dos recém-casados. Eram felizes, embora lutassem com certa dificuldade por conta de algumas despesas que são normais no início do casamento. Ainda mais que haviam comprado, com bastante sacrifício, um apartamento pequeno, mas suficientemente grande para esgotar a poupança do casal. Por isso, em todos os ambientes faltavam ainda alguns móveis e eletrodomésticos. Na sala, por exemplo, colocaram uma bonita estante, mas sem a televisão. Na cozinha instalaram um armário planejado, mas o lugar do forno de microondas continuava vazio.
Esses detalhes, no entanto, não eram importantes a ponto de atrapalhar a harmonia dos dois. Eles se davam muito bem e combinavam em tudo. Qualquer proposta que um fazia o outro concordava na hora. E foi assim que, perto do meio-dia de um sábado, Breno convidou a esposa para irem comer pastel no Mercado Municipal. Naquela hora, ela estava recolhendo a roupa do varal. Como ele insistiu para saírem logo, pois o Mercadão podia fechar, ela simplesmente juntou toda a roupa, jogou em cima do sofá, ajeitou o cabelo rapidinho, pegou na mão do marido e foram embora. Aconteceu que, na pressa de sair, eles se esqueceram de trancar a porta da sala, que ficou apenas encostada.
Vento vai, vento vem, a porta acabou se abrindo.
O prédio não tinha elevador. E como o apartamento de Breno ficava no térreo, ao lado da escada, todos os moradores tinham de passar em frente a sua porta. Como ela estava aberta, era possível ver a desordem na sala.
Quando alguma coisa resolve acontecer, todas as outras ajudam e não há o que segure. Assim, sem sequer imaginar que o lar doce lar dos pombinhos estava sendo invadido por olhares curiosos, Breno e a esposa resolveram dar uma esticadinha até o Parque da Cidade, para fazer a digestão e caminhar um pouco entre aquelas árvores lindas plantadas pelo famoso paisagista Roberto Burle Marx.
Enquanto isso, um vizinho mais cuidadoso, preocupado com o fato de estar o apartamento aberto, resolveu chamar o síndico, que logo apareceu. Os dois tocaram a campainha várias vezes, chamaram por Breno e a esposa, mas nada, ninguém respondeu. Então, eles resolveram que o melhor a fazer era entrar.
Bem nessa hora, apareceu dona Clarice, a mais famosa fofoqueira do prédio, que logo interfonou para fulana e beltrana, o que resultou em dezenas de testemunhas para a invasão. Sim, foi uma verdadeira invasão. Tinha gente na sala, na cozinha, no quarto, no banheiro. E como o apartamento era pequeno, todos ouviram o comentário de dona Clarice:
― Minha Nossa Senhora, isso foi um assalto. Pior, acho que foi um sequestro. Olha só a bagunça que está esse apartamento. É melhor chamar a polícia.
― Ela tem razão, pessoal – completou outra vizinha. Não tem nenhum aparelho eletrônico, eles levaram tudo. E reviraram o guarda-roupa. Tenho certeza que procuravam jóia e dinheiro. E vocês viram que maldade? Ainda rasgaram todo o sofá...
Pois nesse exato momento, Breno e a esposa chegaram completamente assustados com toda aquela movimentação.
― O que vocês estão fazendo na nossa casa?
Como todo mundo ficou em silêncio, o síndico rapidamente se justificou:
― Seu apartamento ficou aberto, estava uma confusão aqui dentro e pensamos que pudesse ser um assalto ou sequestro.
Ouvindo aquilo, Breno, todo envergonhado, não conseguiu escapar da mentira:
― Vocês têm razão, foi um sequestro... Mas felizmente conseguimos fugir do cativeiro.
Os vizinhos se retiraram um a um, comovidos e solidários.
No dia seguinte, começou um movimento diferente no prédio. Dona Clarice liderou a iniciativa e fez questão de passar a lista pessoalmente. A arrecadação foi boa e serviu para ajudar o casal a comprar os itens “roubados” e “estragados” pelos ladrões.

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